Vida e Morte – Assassinato em Coqueirinhos
Localizada no meio da Avenida Getúlio Vargas, numa manhã cinza, comparando a arquitetura dos prédios Caricé e Santa Rita, eu, Vanúbia Strauss, delirava em um mundo paralelo de inércia para esquecer o crime que acabara de cometer.
Era fantasioso e mágico pensar naqueles prédios ganhando outros formatos, redirecionados dentro do Cubismo. Mas o que me importa pensar tudo isso, considerar como fato de sobrevivência 'a morte da bezerra', se a minha estava por vir.
Aquele foi o local em que T.C. escolheu para me deixar ainda durante a madrugada, sem muito se incomodar com o que me aconteceria dali pra frente. Pra ele, mais importava chegar em casa com um saco de pão quentinho e uma desculpa esfarrapada de que acabara de enfrentar um trabalho exaustivo, bajulando políticos da capital rubro-negra.
Mas eu estava ali, parada, sem saber para onde dar o primeiro passo. Se para trás ou para frente. Mas, às vezes, dar passos para frente são três passos para trás disfarçados. Depende do ângulo que se enxerga.
Foram longas as horas num sopro de devaneio infinito. Até que, ouvi o som do sino. Era da catedral. O que me fez despertar. Não se mova! Mas eu fui em frente. Andei, sem medir passos nem sequer lados. Fui. Voltei pra casa. Caminhei por três anos mais de dois mil quilômetros.
E não cansei. Fui pensando no retorno em todo o crime cometido. Pela minha vida empoçada de sangue, nos encontros sorrateiros e depois tão inúteis, na facilidade em que era capturada e largada pelo capataz, por tantas mortes e ressureições que havia presenciado. E conclui: vou matar T. C. É a única forma de me manter longe dessa paixão desenfreada que me escraviza e me força a cometer tantos crimes (agora mais virtuais).
Sumi por mais três anos. Depois ressurgi preparada para a vingança. Sugeri um encontro. Passei a senha. No mar. Parecia filme. Foi numa palhoça antiga, à beira mar. Dançamos salsa por uma noite inteira. T.C. estava um pé de valsa. Ria, rodopiava, beijava-me intensamente, roçava minha perna a dele. Fazia calor. Ele me pegava pelo cabelo, olhava-me com paixão, acariciava meu colo no meio do salão como se só existíssemos nós dois. Beijava-me a boca com fervor. Parecia querer engolir-me. Era fato, ele me desejava, muito. Aquilo não morria, jamais. Coisa de outras vidas. Os dedos passeavam por meu corpo. Entre um passo e outro, os dedos driblavam os caimentos do vestido e invadiam meu corpo. Ele erguia meu vestido rapidamente e tirava um pouco da essência pra manter vivo o tesão. O que não sentia havia anos, o que só sentia comigo. Era notório, transparente para aquela plateia de praianos de passagem, havia amor, havia paixão, mas dentro de mim era preciso matar aquilo tudo. Porque dali para o próximo crime era mais um minuto de excitação no salão. Eu o queria muito. Mas vivia aprisionada àquela situação de culpa e querer bem. Eu nunca amei alguém tão intensamente como o amei. Sei que ele também não, por isso não nos livramos um do outro. Mas hoje vou conseguir.
T. C. arrastou-me do salão. E no caminho até um quarto de hotel escolhido por ele passaríamos pela praia e ele começaria a me amar ali na areia(fato também só vivido com ele), depois no mar, em uma noite de Lua Cheia. Então, chegaríamos a nosso destino final, quarto do apartamento 101, do Hotel Do Porto. Eu havia guardado em minha bolsa uma faca artesanal bem afiada que mandei fazer na Bahia. Posicionei a bolsa perto da cama, ainda envolvida pelos beijos de T.C. sempre quentes. Pensei, vou perder tudo isso. Que pena. Ele amou-me de todas as formas e cores, como sabia fazer, como só nós dois sabíamos fazer. Éramos o par perfeito no quesito sexo e muito prazer, obrigada. Até que próximo ao nosso gozo combinado, quando estávamos chegando lá, reuni forças para ter duplo orgasmo, tirei da bolsa a arma branca e o feri no peito no momento do gozo. Houve um longo e grave suspiro, de dor e prazer. T. C caiu duro na cama. Estava morto. Sai dele. Limpei-me do gozo dele. E fechei a porta do quarto de hotel, abandonando o corpo e o passado.
Vivi pra sempre o luto. Matei T. C., o grande amor de minha vida, mas nunca o matei dentro de mim. Até agora não paguei pelo crime. Coisas da Justiça Líquida. Já o crime, imperfeito por si...Ele nunca vai morrer!
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