domingo, 21 de julho de 2013

Pedro Almodóvar: entrevista

Em um bate-papo, o diretor Pedro Almodóvar aborda temas como sexo e morte, passando por seu retorno à comédia em Os Amantes Passageiros


 

Pedro Almodóvar: entrevista
Guias Time Out: Sua melhor companhia de viagem para destinos internacionais e nacionais © Paris Filmes/Divulgação

Colocar meu celular no ‘modo avião’ antes de uma entrevista nunca pareceu tão apropriado. O novo filme do diretor espanhol Pedro Almodóvar, Os Amantes Passageiros, é um melodrama cômico altamente tenso sobre um avião cheio de passageiros.

Sobrevoando a Espanha a 3 mil metros de altura, a aeronave sofre uma falha técnica.
Três comissários gays drogam os passageiros da classe econômica e se drogam também. Em um certo ponto, o trio começa uma coreografia e canta a música do Pointer Sisters que dá o nome do filme em inglês (‘I’m So Excited’). Enquanto isso, o piloto, que é casado, está se pegando com um comissário escondido da mulher, e a classe executiva é um hall da fama de corrupção, desespero e fraude.

O filme é curto, preciso e insolente. É bobo, sim, mas não sem dizer coisas sérias sobre a Espanha moderna, apesar da distração caótica de uma história cheia de sexo, bebidas e drogas.

Após mais de 30 anos na cadeira de diretor, Almodóvar, de 63 anos, agora é sinônimo de cinema subversivo e com estilo. Desde que começou a fazer seus filmes desordeiros e anárquicos, no início dos anos 1980, ele nos traz radicalismo e excessos, ao mesmo tempo em que quase sempre oferece ternura e humor.

Ultimamente, produções como Má Educação (2004), Volver (2006) e Abraços Partidos (2009) mostraram um lado mais escuro, menos colorido do cineasta, que construiu praticamente sozinho a fama do cinema espanhol no mundo. Os Amantes Passageiros é um retorno aos filmes mais frenéticos, comicamente malucos – como Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988).
Seus últimos dois filmes, A Pele que Habito e Abraços Partidos, foram bastante mórbidos e reflexivos. Por que a mudança de tom?
Queria fazer outra comédia já há algum tempo e tive essa ideia quando estava filmando Abraços Partidos. Mas vivo com minhas histórias por um longo tempo. E, no momento, a Espanha está passando por seu pior período desde que a democracia foi estabelecida. Gosto da ideia de que o público vá ver o filme e se sinta melhor quando sair do que estava se sentindo quando entrou.

Você estava curioso para saber se ainda podia fazer esse tipo de filme?
Eu queria redescobrir o tom dos primeiros filmes. Talvez, na verdade, eu estivesse tentando retomar minha juventude? Tenho 33 anos a mais do que quando comecei. Queria ver se aquele tom que me caracterizou nos anos 1980 ainda estava lá. Sempre houve muito humor em meus filmes, mas não fazia uma comédia pura desde Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos. Acho realmente que consegui escrever com a leveza daquela época. Isso não significa que meus próximos filmes serão como este. Os que estou trabalhando como possíveis futuros projetos são muito, muito diferentes.
Os Amantes Passageiros é leve e frívolo, mas você disse que reflete a difícil realidade política e econômica da Espanha hoje. Como?
É uma metáfora da sociedade espanhola de agora. As pessoas no avião andam em círculos. Não sabem quando vão pousar. Sabem que vai ser um pouso de emergência e será perigoso. Há incerteza e medo. Isso representa o momento que estamos vivendo. Mas é uma comédia. Tudo acaba bem. Na vida real, não sabemos como irá acabar.
Boa parte do filme transcorre em um estado de elevada excitação sexual em uma claustrofóbica cabine de avião. Na história, o sexo é a melhor saída para uma realidade ruim?
O significado da orgia sexual é que, no momento de perigo, quando eles poderiam acabar morrendo, eu queria que se divertissem, que aproveitassem uma das grandes dádivas que a natureza nos deu, o sexo. Não estou dizendo que seja a solução para todas as tragédias, mas é uma ótima maneira de se despedir da vida, por via das dúvidas. O filme é uma homenagem ao início dos anos 1980 na Espanha. Foi um momento de verdadeira liberdade de expressão, com uma nova democracia, e havia uma enorme promiscuidade, no melhor sentido da palavra, em termos de drogas, sexo e liberdade.
Você acha que a Espanha está num momento de rebelião parecido com o da década de 1980, quando houve a socialização cultural do (movimento) ‘la movida’, após o longo regime do General Franco e do fascismo?
Sim, mas a revolta agora é para pior. Os filmes que fiz no início dos anos 1980 seriam muito mais escandalosos agora do que foram na época. Este novo filme foi escandaloso também – não que eu estivesse ciente disso quando o escrevi. Agora é um momento na Espanha em que as coisas estão se fechando, e não se abrindo.
Então houve quem achasse Os Amantes Passageiros escandaloso?
A Espanha é um país de direita. O governo diz que é de centro-direita, mas não está certo. Não é de extrema-direita, mas é de direita. Há um grande problema no momento com a família real e acusações de corrupção. A maior questão, maior que a crise, é a corrupção dos políticos que trabalham aliados aos financiadores. E isso tudo está no filme. Além disso, a personagem dominatrix fala da Opus Dei, a organização católica. São instituições fortes no país. Trabalham silenciosamente escondidas, mas são muito influentes. As pessoas também reagiram porque transformei a catástrofe da Espanha em festa. Mas, em termos de sexualidade, não se vê nada. As pessoas só falam de sexo de forma explícita. É franco, mas não há sexo explícito. Também há algo na história que perturba os heterossexuais que já tiveram uma fantasia homossexual.
Você se refere ao piloto que tem um caso com um comissário. Acha que há quem encare com dificuldade a homossexualidade reprimida que você mostra?
Trato da bissexualidade. Ninguém realmente fala da bissexualidade, que é muito mais comum do que pensamos... Mas está parecendo que o filme deixa as pessoas superdesconfortáveis, e não deixa! Está fazendo bem à Espanha, embora o cinema não seja muito bem-sucedido em geral. O mercado atingiu uma nova baixa. Mas não falemos de tragédias!

Há muita medicação e automedicação no filme. Você apaga toda a classe econômica, e todo mundo na executiva perde a cabeça.
Minha intenção na classe econômica foi mostrar, subliminarmente, o abuso de poder por parte de quem está no comando, no caso os pilotos. Então, quando eles lhes dão a medicação, estão tentando silenciar uma classe inteira. Ninguém virá amolálos. Na classe executiva, que é onde viajo, a automedicação é um estilo de vida. Os comissários drogam os passageiros da executiva com coquetel valenciano, uma mistura de álcool, suco e mescalina, muito popular nos anos 1980. O efeito é uma grande euforia, e é afrodisíaco também. Você se desarma. Tudo é diversão.
Você diz que sempre viaja na classe executiva. Então observações de uma vida inteira entraram neste filme?
Sim, mas não fico tão observador no avião. Só quero ler. Mas escrevi muitas das ideias que tive para meus filmes em aviões. Algo (neles) me faz concentrar muito mais que em qualquer outro lugar. Há algo no movimento

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