Crônicas de uma repórter no oeste baiano
Maria José do lixo lá de casa
Maria José é uma dessas personagens que aparecem na reportagem da gente, sem que a produção marque. Daquelas que a gente descobre no local da reportagem, que provocam e acabam se tornando a personagem principal e conduzindo assim todo meu trabalho. A história de Maria José deixou-me pelo menos por dois minutos pensando que eu poderia cuidar melhor de meu lixo, selecionar, sabe. Descobri Maria José no lixão de Barreiras, a 22 quilômetros da cidade, BR 242, sentido Salvador.
A reportagem foi um pedido da TV Bahia. Mas, chegando lá, a senhora de pouco mais de 30 quilos e de quase 60 anos foi a única que de imediato quis conversar com a gente( eu e o cinegrafista D´artagnan Nascimento). Ela me contou que sempre viveu no lixo. Criou dois filhos no lixo e do lixo. Ela veio de Irecê, também na Bahia, mas já passou pelo lixão de Brasília. De lixão em lixão, pouco pôde tirar de produtivo ao longo da vida. Os filhos, já homens feitos, pais, continuam no lixão, tirando de lá o sustento. Ouvi falar que tem gente ganhando no lixão quase dois mil reais com o que vende de material reciclável. Será mesmo? Os catadores disseram que tem muito folclore no que conseguem com a venda do lixo.
O fato é que Dona Maria José mora dentro do lixão. Os filhos ainda não conseguiram sair de lá e tirar a mãe. E nunca vi tanta mosca reunida. Ficou difícil até me prolongar nas entrevistas. Bom para o cinegrafista que não teve que sofrer tanto com a câmera no ombro. Que ambiente repugnante! E em um barraco de lona vive Dona Maria José. Sozinha, sem luz, sem água. Ela disse que a água do reservatório secou, há três anos não há água para os catadores, eles precisam pagar do próprio bolso.
Pra piorar, do quê que Dona Maria se alimenta mesmo? Segundo ela, de segunda a segunda o alimento é cuscuz. E para aumentar a carência, ela tem problemas respiratórios sérios, porque vive no lixão e quando há queima do lixo, ela inala a fumaça.
Ela disse que passa o dia no lixão. Destina mais de 10 horas à cata. E observou a cidade crescer pelo o que era descartado. São quinze anos no lixão de Barreiras. Disse que praticamente ajudou a fundar o lixão. No início, a proposta era do funcionamento de um aterro. Mas, tudo soterrado, semelhante aos sonhos de Maria José (ela não sabia responder sobre sonhos).O ritmo é de um lixão, assim como o cenário de moscas e urubus a dominar o espaço.
Ela já não nutre muita expectativa com a ideia da construção de uma usina de tratamento de resíduos. Só teme perder a única coisa que tem de concreto, o barraco de lona. "Será que vão destruir meu barraco? Mas para aonde vou? " Essa é a realidade do brasileiro. Acabamos acostumados com o sofrimento e nos apegamos ao pó.
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