A Dama do Lotação
Nelson Rodrigues
A DAMA DO LOTAÇÃO
Sem excitação, numa calma intensa, foi contando. Um mês depois do casamento, todas as tardes, saia de casa, apanhava o primeiro lotação que passasse. Sentava-se num banco, ao lado de um cavalheiro. Podia ser velho, moço, feio ou bonito; e uma vez - foi até interessante - coincidiu que seu companheiro fosse um mecânico, de macacão azul, que saltaria pouco adiante. O marido, prostrado na cadeira, a cabeça entre as mãos, fez a pergunta pânica:
— Um mecânico?
Solange, na sua maneira objetiva e casta,
confirmou:
— Sim.
Mecânico e desconhecido: duas esquinas
depois, já cutucara o rapaz: "Eu desço contigo". O pobre-diabo tivera medo
dessa desconhecida linda e granfa. Saltaram juntos: e esta aventura inverossímil foi a
primeira, o ponto de partida para muitas outras. No fim de certo tempo, já os motoristas
dos lotações a identificavam à distância; e houve um que fingiu um enguiço, para
acompanhá-la. Mas esses anônimos, que passavam sem deixar vestígios, amarguravam menos
o marido...
Li A Vida Como Ela É e esse é meu conto preferido. Na telinha, foi interpretado por Maitê Proença. Muito bom!
ResponderExcluirPelo descaso completo da personagem. Da prática leviana de seus encontros no lotação, mas sem culpa, meSmo depois da descoberta. Excelente narrativa, maravilhoso conflito da vida real. Ninguém tão real como Nelson Rodrigues. em A Dama do Lotação
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